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A FELICIDADE NO REINO DE DEUS

“Como um ensino estranho e novo, estas palavras caem nos ouvidos da multidão admirada. Semelhante doutrina é contrária a tudo que ouviram dos sacerdotes e rabinos. Nela não veem coisa alguma que lisonjeie seu orgulho ou lhes alimente as ambiciosas esperanças. (…) Os corações a Ele se abrem e, à medida que O escutam, o Espírito Santo lhes desdobra alguma coisa do significado daquela lição de que a humanidade de todas as épocas carece.“[1]

“Ser feliz é o que importa”. Essa frase simples resume a vida de uma grande parcela das pessoas que conhecemos, isso porque esse é o imperativo de nosso tempo. Contudo, não demoramos muito até perceber a quantidade de problemas que esse simples enunciado nos traz. O que é a felicidade? Realmente é o que importa? A que custo? Ironicamente e apesar destas questões, nossa marca é o desejo de auto realização atrelada à insatisfação de constantemente não alcançarmos o que pretendemos. Somos lançados na espiral da busca pelos “sonhos” e passamos a vida inteira dizendo a nós mesmos que vale a pena.

Os contemporâneos inventaram a felicidade como neurose do desejo [2]. Nesse sentido, a nossa sociedade moderna (ou pós-moderna) pode ser descrita, essencialmente, como um conjunto de indivíduos que circulam incessantemente em torno das próprias ambições.

Tal percepção tende a se infiltrar na igreja por todos os lados, de sorte que não é estranho observar a explosão de movimentos, como a teologia da prosperidade, na qual Deus é o realizador máximo de nossos desejos aqui na terra, em resposta à nossa fé e boas ações.

Dentro de outras perspectivas religiosas, pode-se criticar a teologia da prosperidade por prometer o paraíso na terra, ao passo em que se vive uma vida de “sacrifícios” para, enfim, realizar nossa sede por paz, descanso, prosperidade, beleza, rever pessoas que não mais estão, superar a dor ou a dificuldade, ou seja, ser feliz para sempre. Não que essas coisas sejam ruins por si próprias, mas quantos irmãos podem desejar tudo isso acima do anseio de conhecer de uma vez por todas seu salvador? É fácil imaginar uma vida eterna perfeita em que Jesus é só mais um detalhe em vez de ser a razão.

Diante disso tudo, o que realmente importa? Parece que para Cristo a resposta é o reino de Deus. É isso que constantemente estava em seus lábios, seus primeiros sermões, sua vida, tudo apontava para o reino de Deus. Com isso, Ele faz seu primeiro e mais conhecido sermão público, o sermão das bem-aventuranças. Nessa reflexão, iremos viajar pela verdadeira felicidade conforme descrita por Jesus, no contexto de seu Reino.


Feliz ou abençoado?

Antes de qualquer coisa, destaca-se que “bem-aventurado” (makarios) pode ser traduzido como “feliz” ou “abençoado”. Ao analisar o texto percebemos que Jesus está descrevendo pessoas com certas características e com isso concluindo que são bem-aventuradas. “Abençoado” é o melhor termo, uma vez que a descrição não se trata de um estado subjetivo, mas sim de uma conclusão do próprio Deus em relação ao indivíduo [3]. Todavia, podemos concluir, por outro ângulo, algo mais simples: Jesus simplesmente não se submete a nossa visão de “felicidade”, o que nos contraria diretamente.

Felicidade, partindo do uso que Jesus faz dos termos, não é um estado subjetivo de alegria contínua, engloba muito mais que isso: Feliz é aquele que Deus declara como tal. A questão não é que nossos sentimentos não importam, é que, na verdade, eles só são confiáveis após a validação divina. Alguém pode dizer que é feliz explodindo pessoas. Provavelmente você não concordaria que isso é um conceito válido. Então, o que vale? Vale a palavra de quem mais nos conhece: O próprio Deus. Então, quem realmente é feliz ou abençoado nessa vida? O cidadão do reino. Quem é o cidadão do reino? Jesus o descreve em Mateus 5:1-12.

Nesse contexto, a porta de entrada para o presente estudo é o pensamento vívido de que, antes de qualquer coisa, as pessoas descritas nesse recorte da perícope são as pessoas que receberam a aprovação de Deus, não por mérito próprio, como se verá já na primeira bem-aventurança. Não. Foram aprovadas porque em contrição se submeteram ao Pai, reconhecendo a absoluta dependência dEle. Se de um lado temos um mundo de pessoas que “perseguem a vida”, respiram o anseio da auto-satisfação, aqui temos pessoas que encontraram a aprovação de Deus por meio da submissão plena.


Pobres de Espírito.

A primeira bem-aventurança é: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus”, aqui está o primeiro e maior choque dessa sequência de qualidades. Em nosso tempo, uma pessoa “pobre de espírito” é uma péssima pessoa, esse termo é usado como ofensa. De algum modo, isso não é sem sentido. Constantemente somos aconselhados a apresentar grandes virtudes morais e religiosas (que geralmente se confundem com espirituais), no 1º século também. 

 O abençoado por Deus era para aquele público que agia impecavelmente, alguém que era extremamente minucioso na lei e na tradição como um todo. Sequer andava longas distâncias ao sábado, lavavam as mãos como gesto de pureza espiritual indistinguível; o abençoado por Deus era o melhor – o melhor em cumprir as regras. Essa era a visão.

Ocorre que tal visão criava um orgulho espiritual enorme, nem todo mundo consegue orar a madrugada inteira, às vezes as pessoas são fracas e pecam em coisas que você pensaria: “Como caiu nisso e se diz filho de Deus?”. Quem herdaria o reino naquele tempo, nesse conceito, seria apenas aquele que fosse rico espiritualmente, que apresentasse boas credenciais, quase impecáveis, religiosos de primeira classe. Mas espera um pouco, Jesus afirma que bem-aventurados são os pobres de espírito. O termo utilizado é ptojói que descreve uma espécie de pobreza profunda, não apenas uma falta de recursos, mas uma necessidade extrema.

Perceba. Não se trata de alguém que precisa da ajuda de Deus para completar o que lhe falta. O pobre de espírito é aquele que não tem o mínimo para si, seria aquele que não tem nem para o café da manhã e já se encontra na hora da janta. Ele sente uma necessidade profunda de que Deus o acuda, tudo o que faz é contaminado por egoísmo, o pobre de espírito descobriu que o céu está longe de sua mão e isso lhe machuca, ele precisa de Deus.

Aquele que se julga são, que pensa ser razoavelmente bom e se satisfaz com o seu estado, não procura tornar-se participante da graça e justiça de Cristo. O orgulho não sente necessidade, fechando, pois, o coração a Cristo e às bênçãos infinitas que Ele veio dar. Não há lugar para Jesus no coração dessa pessoa. Os que são ricos e honrados aos próprios olhos, não oram com fé, para receberem a bênção de Deus. Presumem estar cheios, por isso se retiram vazios. Os que sabem que não se podem salvar a si mesmos, nem de si praticar qualquer ação de justiça, são os que apreciam o auxílio que Cristo pode conceder. São eles os pobres de espírito, aos quais Ele declara bem-aventurados. [4]

Os pobres de espírito, portanto, são aqueles que enxergam a miséria de seu estado espiritual, aqueles que já notaram que não conseguem por mais que tentem, esses são terrivelmente necessitados, mas necessitados de que? Da graça do próprio Deus. Eles não conseguem dar um passo senão por Deus. A graça é a palavra que começa e termina a vida do cidadão do reino. Aqui se reconhece pobreza em detrimento de uma riqueza oca. 

O melhor exemplo é a própria parábola do Fariseu e do Publicano (Lucas 18:9-14), lá um se orgulha das próprias virtudes espirituais enquanto o outro reconhece seu estado decadente. O publicano era um corrupto de carteirinha na visão deles, o fariseu era o melhor religioso, a comparação é quase a de um ancião e um político. Quem está mais perto do Reino? O que mais reconhece a necessidade de Deus. Essa é uma linha tênue, não é só ouvir e dizer “que bonito!” É uma mudança completa na direção. Pessoas orgulhosas dificilmente notam onde erram, afinal, elas se gloriam do próprio progresso espiritual. É exatamente onde Jesus toca. Nesse ponto, ironicamente, o maior problema não é o que sabemos que está errado, mas o que pensamos que está certo, nos orgulhamos de nosso sucesso espiritual, nossa dedicação em não transgredir o sábado, nossa metódica dieta vegetariana, da melhor doutrina, pensamos ser ricos espiritualmente por conta de nossas obras; porém, é exatamente no nosso sucesso que está nossa condenação. Afinal, qual o melhor lugar para se esconder de Deus senão na vida religiosa?!

Sim, o adventista médio precisa reconhecer sua dependência de Cristo. A princípio, todos acreditam que vivem apenas para Ele, até que, diante de uma dificuldade, percebem o quanto ainda desconhecem seu amor. Nesses momentos, a primeira pergunta que surge é: “Por que eu?” Esse é o raciocínio da “raça superior”, pensam que são mais bem quistos por Deus porque têm mais cargos na igreja, são mais rígidos quanto ao que fazer no sábado. Pasme, Deus não te ama pelo  que você faz. E, se você, no fundo de seu coração, acha que o grande tempo que passa em atividades de teor religioso te torna mais santo, você ainda não sabe o que é a pobreza de espírito.

A graça é o porto seguro do pobre de espírito. Qualquer verdadeiro cristão é consciente de sua total incapacidade na vida cristã, a graça que o resgata da lama. Se uns se apoiam nos próprios esforços para se realizarem, o bem-aventurado abandonou tal pretensão. Ele viu sua face manchada e descobriu que necessita urgentemente de um salvador. Toda boa dádiva na vida é doada por Deus, nunca conquistada e nisso está sua realização.


Felizes os que choram

Tendo tudo isso em vista, as coisas mudam. As consequências são diretas, existe uma tristeza profunda pelo pecado, essa é a segunda bem-aventurança, ela termina por ser uma invertida grande nas concepções modernas. Tendemos a encarar o sofrimento como algo que deve ser evitado, além do mais, a admissão de culpa não está prevista em nosso calendário. Contudo, sem demora, são bem-aventurados os que sofrem/choram por perceber quem realmente são, afinal, Cristo morreu pelos nossos pecados, perdão é a palavra que nos traz consolo.

O choro é a materialização do sofrimento, esse é especial, é aquele choro profundo por perceber que não somos quem queríamos ser, sim, traímos Cristo e isso nos traz angústia. A felicidade aqui é o ponto mais contrário a tudo o que se crê comumente. Ser feliz, nesse caso, é estar completamente abatido por não ser a pessoa que deveria ser. Se buscarmos a felicidade porque nos traz apenas boas sensações imediatas, nos enganamos. Só é feliz aquele que já chorou o choro do arrependimento, esse sim recebe consolo. Não estamos perdidos, Jesus é perdoador, nunca nos abandona.

Esse é o choro de Davi. Em um instante pediu a morte de um homem absurdamente injusto, segundos depois descobriu que ele, Davi, era o homem injusto. Provavelmente com o coração disparado ele só disse “pequei contra o Senhor”, sem fôlego, caiu por terra e sentiu o peso da culpa, mas com fé aprendeu o que é salvação:

Anula minha sentença de morte, ó Deus da minha salvação, e cantarei hinos a respeito dos teus caminhos. Põe palavras nos meus lábios, querido Deus, e me abrirei para os louvores. Fingimentos te desagradam, uma atuação impecável nada é para ti. Quando meu orgulho é despedaçado é que adoro a Deus de verdade. [5]


Felizes os Mansos

 A mansidão (gentileza, humildade), terceira bem-aventurança, se torna uma característica primordial. Uma vez que tenho consciência de minha degradação, sou mais lento em condenar o outro e vejo nele um como eu. A mansidão, então, nasce aqui. A rispidez vem justamente da noção de que eu sou superior ao outro, não é necessário afirmar isso, basta crer no fundo do coração. Os mansos, por outro lado, reconhecem o que significa humildade.

O homem verdadeiramente manso é aquele que fica realmente pasmo ante o fato de Deus e os homens poderem pensar dele tão bem quanto pensam, e de que o tratem tão bem. Isto o torna gentil, humilde, sensível, paciente em todos os seus relacionamentos com os outros. [6]

O contrassenso é que justamente os mansos são os que herdam a terra, uma vez que normalmente quem reina é quem vence a guerra pela força. No reino de Cristo quem terá a terra não serão os mais espertos, não serão os mais fortes, serão os humildes, os gentis, enfim, os mansos. Esta será herdada, não tomada, nem conquistada.

Para além disso, é necessário limpar as nossas lentes: a mansidão não é passividade total, humildade não é silenciar sempre a fim de evitar atritos. Ironicamente, Jesus diversas vezes tece discursos ofensivos (ex. Mateus 23) e nem por isso é menos humilde. Muitas vezes estamos diante da falsa humildade, aquela travestida de “mente aberta” de “tolerância” que tem uma necessidade enorme de afirmar constantemente a própria humildade, aí está o orgulho travestido. [7]

Humildade não é pensar menos de si mesmo, é pensar menos em si [8]. Aquele individuo “sofredor” que vive afirmando que não vale nada, que é o mais indigno de todos, se queixa de como é incompetente, constantemente pelas mais variadas ocasiões é também, paradoxalmente, arrogante, ao ponto de querer atenção para si, nesse caso, com um olhar de pena.

 O cidadão do reino pensa menos em si, tem um santo desinteresse, não fica se debatendo com um erro por anos, nem se expondo para ganhar atenção. Pecado se confessa, aos ofendidos. Nestes termos argumenta Paulo [9], mesmo quando parte da igreja o louvava, ele simplesmente não se prendeu a isso, dizer se era justo ou não, Deus quem tratava disso. Um homem que tanto tinha a falar de si, mas só falava de Cristo.

 O discípulo, dessa forma, sabe duas coisas importantes: Todos os homens têm uma natureza tendente ao mal, ele também, logo, todos são iguais nos mais profundos intuitos. Segundo, ele mesmo já foi perdoado por Cristo, não precisa se autoafirmar constantemente perante o próximo e nem se diminuir, sua autoestima está firmada no que Deus pensa dele, e Deus já o perdoou; então, a mansidão, assim, é também a consequência de uma consciência acalmada: Com Deus temos paz [10].


Felizes os que têm sede e fome de justiça

Essa bem-aventurança parece funcionar como ponte entre as bem-aventuranças precedentes e as que se seguem. O que antes tinha um aspecto um tanto negativo (ser pobre de espírito, chorar, se realizar como manso) agora passa a ter um aspecto um tanto mais positivo, de ansiar pela justiça.

É imperioso destacar que existe uma discussão sobre a natureza desta justiça. Podemos dividir em três significados mais comuns, de modo que a justiça pode ser entendida no sentido de: 1. Justificação, em que a justiça vem de Deus por meio do sacrifício de Jesus na cruz, declarando justo o pecador perdido; 2. Justiça no aspecto moral, se referindo ao cumprimento da lei de Deus; e 3. Justiça no aspecto social, em que se luta contra as mazelas que afligem os mais fracos, no tom dado pela classe profética do AT, em que constantemente se rememorava o direito dos órfãos, dos pobres e das viúvas.

Não obstante, importa ressaltar que a palavra usada no original para justiça (dikaiosyne), na teologia mateana, nunca tem o sentido de justificação como desenvolvido nos livros Paulinos. Melhor analisando a perícope e como os termos são empregados, tendemos a entender que Jesus aqui se refere a um desejo profundo que o bem-aventurado tem por desenvolver uma experiência mais profunda com a vontade de Deus.

Apesar de que uma vida verdadeiramente justa extrapola de uma visão estritamente pessoal e legal para um desejo de que a justiça se realize em sua maneira mais plena no meio social.

Essas pessoas têm fome e sede não só de que possam ser justas (ou seja, de que possam fazer totalmente, e do fundo do coração, a vontade de Deus), mas de que haja justiça em todo lugar. Toda injustiça aflige-as e as faz sentir nostalgia pelo novo céu e nova terra — a casa do justo (2Pe 3.13). Elas, não satisfeitas só com justiça pessoal e, tampouco, só com justiça social, clamam por ambas: em suma, elas anseiam pelo advento do reino messiânico. O que elas vivenciam agora estimula seu apetite por mais. Em última instancia, elas só serão satisfeitas (mesmo verbo de 14.20; Fp 4.12; Ap 19.21) sem restrição quando o reino for consumado (…). [11]

Destaca-se que esse anseio profundo, uma necessidade intensa, comparada com o sentir sede e fome, é para que a justiça se realize, como é isso? Temos um insight. 

No próprio sermão do monte a justiça do reino se torna assunto proeminente. Em Mt. 5:20 Jesus exige que a justiça de seus discípulos exceda em muito a dos fariseus. É até engraçado notar que Jesus está dizendo que a justiça desses mestres da lei é insuficiente, mas é isso mesmo.

Quando Jesus desenvolve o argumento fica clara a contraposição que é feita entre o ensino dos escribas e fariseus e o que Deus exigia nas escrituras [12]. As interpretações da lei de Deus feitas por eles poderiam vir com mil regrinhas, mas esvaziavam o conteúdo final da lei.

A título de exemplo, eles diziam que não podia matar, mas desprezavam seu irmão no coração. Eles diziam, corretamente, que devia-se amar o próximo, mas que podia odiar o inimigo. Eles tinham a lei de Deus e se orgulhavam de muitas coisas, mas seus corações realmente estavam longe de Deus. É o que Jesus argumenta no capítulo 6:2-18 de Mateus, ao citar os três principais atos da piedade judaica (esmola, oração e jejum) e concluir que a religião deles era dedicada aos homens, não a Deus.

O desejo do bem-aventurado é superar uma religião de aparências e ser de fato fiel a Deus, antecipando a realidade futura do reino escatológico para o agora, amando os esquecidos. É o desejo sincero de não só cumprir uma obrigação, mas de amar profundamente a Deus, a ponto de ansiar ser perfeito como Ele é, inclusive, amando os inimigos. O desejo de superar uma experiência religiosa que se resume a meras regras comportamentais sobre o que comer, o que vestir e onde ir, passando a viver uma vida sacrificial onde o amor é o que vale a pena, mesmo quando estamos perdendo.


Felizes os Misericordiosos

Os misericordiosos nascem de todo o visto antes, deixam que a miséria do outro invada o seu coração, sendo tomados de compaixão pelo seu próximo; é diferente da mansidão, lá há um estado do indivíduo com relação a si, aqui com relação ao próximo, mas os dois são faces da mesma moeda. Essa bem-aventurança inaugura a segunda parte das qualidades do cidadão do reino, agora relacionadas ao outro e a primeira com certeza é a misericórdia. Qualquer religião que exija qualquer coisa antes de oferecer misericórdia não é cristã.

A misericórdia pode ser vista em diversos momentos no ministério de Cristo, mas principalmente, quando Ele impede que a adúltera seja apedrejada. A misericórdia cristã é um desafio enorme porque ela exige que coloquemos em prática o que recebemos: o perdão. A misericórdia exige que olhemos para o próximo e deixemos que sua dor entre em nosso coração.

Em certo sentido, misericórdia é um estado mental, um estado de interesse pelo bem-estar de outros; é uma atitude de consideração suficiente para ser tanto amável como disposto a perdoar, mesmo que isso signifique ter de enfrentar problemas e atos errôneos com a disposição de Cristo. [13]

A misericórdia exige que andemos a segunda milha pelo outro. Existe um teor na religião do reino que causa arrepios em religiosos formalistas: Cristo requer que entendamos “misericórdia quero, e não sacrifício” (Mateus 12:7). Jesus exige isso, não que sacrifícios não importam, mas que quando distantes da misericórdia o resultado é a condenação de inocentes. Formalistas do tempo de Jesus preferiam um homem deficiente em vez de curado no sábado. É cruel ver como as vidas foram relativizadas em nome da forma, muitas vezes podemos simplesmente matar em nome do amor, esse era Paulo, o mesmo que, já após o encontro com Jesus, encarou Pedro em defesa dos gentios. A progressão é enorme, da violência para o amor ao inimigo [14]. As religiões superficiais sempre sacrificam pessoas, a religião do reino as redime.


Felizes os limpos de coração

Os limpos de coração vêm em seguida, o foco agora está nas atitudes do coração e não nas meramente externas, o reino do “eu” foi derrogado. É importante observar a conclusão “verão a Deus” porque é justamente isso que os que têm coração corrompido pelo “eu”, que tem as ações maculadas pelas segundas intenções, não conseguem ver, tudo o que se põe adiante, bem ou mal, é pesado e assimilado pelo egoísmo. Sempre refletindo o que podem ganhar ou perder em cada ato.

É muito raro que realizemos até nossas melhores ações a partir de uma motivação absolutamente pura. Se ofertarmos com generosidade e desinteresse a favor de alguma boa causa, é possível que no fundo de nosso coração estejamos sentindo o prazer de nos sentir bem sob a luz de nossa própria aprovação, ao mesmo tempo que desfrutamos do prestígio e a gratidão a que nos conduz nossa “generosidade”. Se fizermos algo belo, que exige algum sacrifício de nossa parte é possível que não estejamos totalmente livres do sentimento de querer que outros homens vejam em nós algo de heroico ou que nos considerem como mártires. Até o ministro do Deus mais sincero não está totalmente livre do perigo de sentir-se satisfeito consigo mesmo ao ter pregado um bom sermão. Não foi João Bunyan quem ao dele se aproximar alguém um dia para lhe dizer que tinha pregado um bom sermão replicou: “O diabo já me disse isso, enquanto descia do púlpito”? [15]

Uma ironia grande é que muitos pensam que as pessoas são boas por natureza, o resultado prático disso é justamente ser vítima de si mesmo, onde boa parte dos atos são carregados de egoísmo. Barclay lança o ponto central: os filhos do reino não se preocupam tanto com o “o quê”, mas com o “porquê”, a motivação que existe por detrás de cada ato. Do que adianta alimentar o mundo todo, se no fim o que importa são os louvores? Não é difícil perceber isso, existe uma necessidade reiterada de mostrar o quanto somos bons para o próximo, fazer o bem para apresentar nossa “relevância”. Não. A fama é nossa tentação, não nosso caminho. O reino é relevante por ser desdobramento da vontade de Deus e só, dessa forma, não precisamos provar que amamos. O amor não tem necessidade de justificar-se a si mesmo [16].

Ananias e Safira caíram nesse abismo de tentar demonstrar algo irreal, doaram muito para a igreja, mas Deus os matou. O importante não era doar? Não tanto quanto ter o coração em Deus. Os aplausos que esperamos, o retorno que amamos, a reciprocidade que exigimos do outro, não fazem jus a uma vida dominada pelo amor sacrificial. Amamos porque somos amados, isso é tudo.


Felizes os pacificadores

Esses limpos de coração passam a ser pacificadores, essa bem-aventurança traz também uma ironia, “porque serão chamados filhos de Deus” é um tanto curioso, uma vez que Jesus é o filho Deus e foi quem trouxe a pacificação – a paz da salvação -, se colocou entre o céu e a terra; de igual modo, todo súdito do reino é um pequeno Cristo, principalmente reescrevendo a história da cruz em sua própria vida. 

Não devemos nos iludir pensando que a paz é barata e que é só gritar “paz, paz!” que tudo estará resolvido; a paz (palavras bonitas) quando o momento é de repreensão é sinal de falso profeta [17]. A paz também não vem sem dor, muitas vezes será necessário auto sacrifício, se com Cristo foi, com seus discípulos não seria diferente. Isso é de surpreender, não é a revolução social que muda o mundo, não é destruindo os nossos inimigos, é se sacrificando por eles. Somos servos, como o servo o servo maior.

(…) não por força, por poder, por coerção, pois a coerção vigorosa somente se impõe e suscita mais elementos contrários. O servo, esse ninguém sem recursos, quebra os ciclos da morte e da dor precisamente por uma vida de vulnerabilidade, penetra a violência e destrói sua tirania. [18]

Cabe ressaltar que somos exortados a oferecer a face a quem nos agride. A reconciliação que nos traz paz aquece nosso coração, podemos lembrar-nos de José, que foi traído pelos irmãos, foi vendido por quem deveria o proteger. É de se esperar que ele se vingue e tudo bem! Todavia, não, ele os perdoa e se assenta na mesa com eles, a paz é virtude essencial no reino do Cristo e todo cidadão é um pacificador, a duras penas muitas vezes, mas o é.


Felizes os perseguidos

 Por fim, os perseguidos são também virtuosos, mais um golpe no fraco conceito de felicidade pós-moderno (ou moderno). Não é à toa que logo após falar de paz falemos de perseguição, nem todo mundo ama a paz e a união não pode acontecer a qualquer custo. O cidadão do Reino sempre causa inveja, a luz sempre acusa as trevas, uma vida pura aponta os pecados dos rebeldes. Jesus morreu assim, Ele conhecia a Deus, suas obras traziam vergonha aos próprios religiosos que se iravam constantemente contra Ele, assim foi ao tempo de Caim e Abel e esse é o argumento em João [19]: Os filhos das trevas odeiam a luz, o filho do homem morreu porque os homens amaram mais as próprias obras. 

A perseguição não vem porque a provocamos. É recorrente que pessoas vivam vidas violentas, marcadas pelo ódio, atraindo para si rejeição e joguem isso na conta da “intolerância religiosa”. A perseguição, na verdade, é a resposta rebelde à justiça de Cristo. Jesus era marcantemente odiado por quase todos. Ele costumava ofender o pensamento religioso comum por se ver em companhia de pessoas condenadas como escória social. Sim, ele andava na presença de prostitutas e de aproveitadores políticos, de ricos e pobres, não se reduzia a discursos baratos, mas fazia a vontade do pai e amava os pecadores. Igualmente, hoje Jesus ainda ama, lulistas e bolsonaristas, liberais e conservadores, esse também é o desafio de seus seguidores.

Jesus também expunha incoerências teológicas a fim de trazer pessoas para A Palavra, isso ofendia a muitos. Cristo obedecia a Deus e isso colocava em contraste quem apenas seguia os próprios pensamentos e adorava bajulações [20]. É marcante como a história nos trouxe vários exemplos de pessoas que desceram ao túmulo, abandonaram a vida, sentiram o frio da indiferença, se entregaram de maneira plena a Deus a ponto de sentirem-se felizes em serem perseguidos.

Gostaríamos de crer que quanto mais perto chegamos a Deus, mais os outros nos reconhecerão por essa intimidade com Ele e nos honrarão como fazem com os profetas do passado. Mas os profetas não foram honrados em seu tempo de vida porque estavam completamente fora do passo das normas religiosas aceitáveis de seu tempo. Somente à distância nós conseguimos ver claramente o trabalho de Deus na vida deles. A presença viva deles nos deixaria loucos, assim como aconteceu nos tempos bíblicos. A jornada da fé não leva à glória em termos humanos, mas leva à glória aos olhos de Deus e isso é o que significa crescer espiritualmente. [21]

Não poderia terminar de outra forma, surpreendentemente.  Essa é a jornada do reino, ela te tira da ilusão de um reino próprio. Aqui não há espaço para louvores a si, aqui a manipulação que se faz do divino é exposta, Ele não te serve, você quem se curva a Ele. Ao mesmo tempo descobre que Ele é perdoador, que Ele é vida, passa a ser manso, humilde, conhece a pureza de coração e luta constantemente contra os próprios instintos, vê no outro a própria face, aprende o que significa paz e sofrimento, descobre que tudo isso tem implicações, não se trata de conversa fiada para “fazer o mundo um lugar melhor”. Não. É uma escolha forte e dolorosa por vezes.

Que fique claro: Se você realmente quer seguir Cristo até o fim, saiba que nunca haverá um verdadeiro lar para você debaixo do céu. No entanto, você nunca estará sozinho, Ele estará contigo até o fim. 

Feliz, por fim, não são os bem sucedidos, não são os que estão sempre rindo, não são os arrogantes, não são os convenientes, não são os impiedosos, não são os de mente maliciosa, não são os que não baixam a cabeça nunca, muito menos os que vivem uma vida tranquila e conformada, nem aqueles que conseguiram prestígio dos homens. Não. Feliz é quem Deus disse que é, feliz é quem viu a sua verdadeira face no espelho, abandonou a vida de dissimulações e se entregou ao amor arrebatador de Cristo, até a morte.

Um ponto tocante e final é que não a toa, todas as bem-aventuranças se cumprem em Jesus. De uma submissão a Deus, se fazendo pecado, a uma perseguição terrível suportada justamente por ser fiel ao Pai, por amar a justiça; odiado por ser manso, desprezado por ter misericórdia dos medíocres, assassinado para trazer paz aos homens. 

Jesus não é só o modelo perfeito, mas o fundamento da existência de todo bem-aventurado. Enquanto uns constroem o próprio reino, em busca do sucesso e da auto satisfação, os bem-aventurados aprenderam a se satisfazerem em Cristo, encontraram o verdadeiro valor da vida, estão satisfeitos porque Deus está satisfeitos com eles. Todos os sonhos viraram pó, todo o legalismo sucumbiu, Cristo é suficiente, felizes são esses.


Referências:

[1] Ellen White, O Maior Discurso de Cristo. Pág. 14

[2] Luiz Felipe Pondé, A era dos Ressentidos, p. 73.

[3] John Stott, Contracultura cristã, p. 20

[4] Ellen White, O Maior Discurso de Cristo, p. 15

[5] Paráfrase do Salmo 51:15-16, Bíblia A Mensagem

[6] John Stott, Contracultura Cristã, p. 21

[7] Randy Newman, Como Evangelizar sua Família, p. 131

[8] Timothy Keller, Ego Transformado, p. 34

[9] 1 Coríntios 4:1-7

[10] Romanos 5:1 e 8:1-3.

[11] D. A. Carson, O comentário de Mateus, p. 169.

[12] Tasker, O Evangelho de Mateus: Introdução e comentário, p. 52

[13] George Knight, Caminhando com Jesus no Monte das Bem-Aventuranças, p. 39

[14] Gálatas capítulo 2:1-15.

[15] William Barclay, O Evangelho de Mateus, p. 116

[16]  John Stott. A Missão Cristã no Mundo, pág. 30

[17] Jeremias 23:17.

[18] Walter Brueggemann, Isaiah 40-66, p. 147

[19] João 3:18-21

[20] João 5:38-47

[21] Jon Paulien, Estágios da Fé: Amor incondicional

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